Entre 2019 e 2022, ex-funcionários da Tesla relataram à Reuters que imagens e vídeos capturados pelas câmaras dos carros da empresa foram partilhados internamente. Algumas gravações mostravam situações embaraçosas, acidentes graves e conteúdos sensíveis. Casos relatados incluem um vídeo de uma criança atropelada por um Tesla em alta velocidade e imagens de clientes em momentos privados dentro de suas garagens. Alguns destes conteúdos foram transformados em memes e partilhados sem o conhecimento dos proprietários dos veículos.
Embora a Tesla afirme que as gravações feitas pelos carros não são associadas aos seus proprietários, ex-funcionários disseram que era possível identificar a localização dos vídeos, potencialmente revelando endereços residenciais. Até mesmo um vídeo de um veículo submersível do filme de James Bond, pertencente a Elon Musk, teria sido partilhado internamente. A Tesla não respondeu às questões da Reuters sobre o caso, levantando preocupações sobre privacidade e o uso de dados para treino de sistemas autónomos.
Outras marcas de automóveis também possuem câmaras integradas. A Mercedes e a BMW incluem essa tecnologia desde pelo menos 2014, e sua participação no consórcio Here.com permite que usem esses dados para mapeamento de ruas para seus sistemas de GPS. No entanto, em Portugal, tanto quanto foi possível saber, funcionalidades como gravação de condução estilo dashcam estão desactivadas por questões legais. Noutros países, estas funcionalidades são permitidas.
A lei portuguesa é clara sobre a captação de imagens na via pública:
1. É proibido instalar câmaras de videovigilância fixas sem autorização das autoridades competentes.
2. A gravação de pessoas sem consentimento viola o Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD), exceto em casos de interesse público, histórico ou jornalístico.
3. A filmagem pode ser usada como prova apenas em situações excepcionais, como em crimes ou acidentes graves.
4. As Seguradoras podem aceitar imagens para análise de acidentes, mas sem referir oficialmente que usaram essa prova.
Vários casos já julgados mostram nuances da legislação. O Tribunal da Relação do Porto considerou válida a gravação de um homem riscando um carro, uma vez que a filmagem focava exclusivamente o veículo do dono, sem invadir a privacidade alheia. Assim, gravações feitas por particulares para proteger bens podem ser aceitas como prova, desde que não invadam a vida privada de outras pessoas.
As câmaras residenciais também possuem restrições. Filmagens que captam o interior de habitações vizinhas são ilegais, pois invadem a intimidade alheia. O mesmo se aplica ao uso de drones, cuja filmagem pode capturar momentos privados, exigindo licença específica para operação.
No caso de veículos como os Tesla, que podem estar a filmar janelas ou varandas de casas particulares, surge um dilema legal. A legislação portuguesa ainda não está completamente adaptada às novas tecnologias de captação de imagem, mas a tendência é que haja um reforço nas regras de proteção de dados e privacidade. A evolução tecnológica exige uma revisão do enquadramento jurídico para equilibrar segurança, privacidade e inovação.
1. Enquadramento Legal
A captação e utilização de imagens em espaços públicos é regulada por várias normas, entre elas:
Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD):Protege os dados pessoais e impõe restrições à recolha e tratamento de imagens identificáveis de pessoas sem consentimento.
Lei da Videovigilância (Lei n.º 34/2013, de 16 de maio): Estabelece que a instalação de câmaras de vigilância em locais públicos só pode ser feita por entidades autorizadas, como forças de segurança, e mediante aprovação da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD).
Código Penal Português (Artigo 192.º e 193.º – Proteção da Vida Privada): Proíbe a captação e divulgação de imagens sem consentimento quando estas afetam a privacidade das pessoas.
2. Filmagens por Particulares
Os cidadãos podem gravar imagens em locais públicos, mas devem respeitar regras:
a. Não podem filmar pessoas de forma identificável sem o seu consentimento, excepto em contextos de interesse jornalístico, histórico ou artístico, conforme prevê o RGPD.
b. A divulgação dessas imagens, especialmente se envolverem terceiros, pode ser ilegal caso viole a privacidade ou cause danos à reputação das pessoas filmadas.
3. Uso de Câmaras em Veículos (Dashcams e Teslas)
A instalação de câmaras em automóveis que gravam continuamente a via pública pode ser considerada uma violação da privacidade, dado que captam imagens de pessoas e veículos sem autorização.
Algumas funcionalidades, como o “Sentry Mode” (modo sentinela), que grava o ambiente ao redor do carro, já foram alvo de investigações na Europa. A Comissão de Proteção de Dados da Holanda, por exemplo, alertou que essa prática pode ser ilegal se não houver um aviso adequado aos transeuntes (https://nltimes.nl/2023/02/22/tesla-makes-sentry-mode-privacy-friendly-dutch-investigation).
4. Excepções e Autorização
Apenas as forças de segurança podem instalar câmaras de vigilância em locais públicos, e mesmo assim, apenas com a autorização da CNPD (ver https://observador.pt/2023/10/31/lisboa-tera-242-camaras-de-videovigilancia-ate-2025-num-investimento-superior-a-53-milhoes-de-euros/)
Empresas e instituições privadas podem usar videovigilância em espaços de acesso público (como lojas e edifícios), mas devem informar claramente que estão a gravar e garantir que as imagens sejam utilizadas apenas para segurança.
Conclusão
A recolha de imagens em espaços públicos, especialmente sem consentimento, pode ser ilegal em Portugal se violar normas de proteção de dados e privacidade. Tecnologias como as câmaras dos veículos Tesla podem entrar em conflito com estas leis, tornando essencial garantir transparência e conformidade com as regras em vigor.
Referências adicionais:
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo n.º 585/11.6TABGC.P1, de 23 de outubro de 2013
Código de Processo Penal, artigos 125.º, 126.º e 167.º n.º 1
Código Civil, artigo 79.º n.º 2
Código Penal, artigo 199.º n.º 2
Lei n.º 67/98, de 27/10, artigos 4.º n.º 4, 7.º n.º 2 e 28.º

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