Em meados de agosto de 2024 a Força Aérea Portuguesa enviou um dos cinco aparelhos de reconhecimento marítimo Lockheed P-3C CUP+ ORION numa operação de reconhecimento a barcos de pesca chineses na ZEE nacional. A operação acabou concluindo que se tratava de um falso alerta e que os “16 navios com pavilhão da República Popular da China a sul da ilha das Flores, identificados no Marine Traffic por AIS terrestre” não estavam no local. O governo dos Açores acrescentou que seria um “caso de falsificação de dados do Sistema de Identificação Automática (AIS)“. Estas embarcações chinesas, identificadas como “navios de pesca” não apresentavam um comportamento aparentemente não compatível com “atividades e operações de pesca” havendo a possibilidade de serem navios com missão aparente de pesca mas que, de facto, poderiam ter uso militar e estarem em operações de reconhecimento e pré-sabotagem dos cabos submarinos que ligam os EUA à Europa (ver https://cidadaospelaciberseguranca.com/2024/07/17/protegendo-a-linha-vital-de-comunicacao-de-portugal-uma-abordagem-abrangente-para-a-protecao-de-cabos-submarinos-na-zona-economica-exclusiva-zee/)

A ausência dos navios chineses foi confirmada pelo P-3, por dados da rede de satélite europeia Copernicus e por uma embarcação rápida do Comando Local da Polícia Marítima das Flores enviada para a zona. O P-3, em particular, patrulhou “até aos limites da ZEE nacional da subárea dos Açores e não verificou qualquer navio deste conjunto”. Foi assim confirmado que estes 16 navios dedicados à pesca de arrasto não estavam nesta zona da nossa ZEE mas que tinham ligados dispositivos de “AIS spoofing”:
https://portal.azores.gov.pt/web/comunicacao/news-detail?id=15903735

Dois dias depois (23 de agosto) estes arrastões chineses continuavam a falsificar as suas coordenadas surgindo a sul da Ilha de Santa Cruz das Flores sendo um deles, por exemplo, “Fishing JIQINYU 01011 is currently located in the Azores (reported 36 minutes ago) JIQINYU 01011 (MMSI: 412281341) is a Fishing and is sailing under the flag of China. Her length overall (LOA) is 11 meters and her width is 4 meters.”
https://www.marinetraffic.com/en/ais/details/ships/shipid:4449568/mmsi:412281341/imo:0/vessel:JIQINYU_01011#overview

Se estes arrastões não se estão neste local onde se encontram então? E porque razão estão deliberadamente a ocultar o seu posicionamento na rede marítima AIS? É preciso ter em conta que a Rússia também falsifica regularmente os dados AIS dos seus navios e que a China é conhecida por usar enviar frequentemente os seus arrastões para águas dos países africanos que, sem marinha nem força aérea, não tem condições para detectarem e impedir a depredação que estas frotas causam nas suas águas territoriais (ver p.ex. https://www.publico.pt/2023/10/15/azul/investigacao/imperio-chines-pesca-aguas-longinquas-navega-mar-crime-2066632)

O AIS (Automatic Identification System) é um sistema de rastreamento automático utilizado principalmente no sector marítimo para identificar e monitorizar embarcações. O sistema funciona através da transmissão de sinais de rádio com informações sobre a posição, percurso, velocidade e outras características das embarcações. Os dados transmitidos pelo AIS são recebidos por outras embarcações equipadas com o sistema e por estações costeiras, o que permite um acompanhamento em tempo real do tráfego marítimo.

O sistema foi concebido para:
1. Aumentar a segurança da navegação porque ajuda a prevenir colisões ao permitir que os operadores das embarcações conheçam a posição e rota de outras embarcações nas proximidades, mesmo em condições de baixa visibilidade.
2. Melhorar o controlo do tráfego marítimo para que as autoridades portuárias e as estações costeiras possam gerir áreas movimentadas, como portos e canais, facilitando o fluxo seguro e ordenado das embarcações.
3. Em caso de emergência, o AIS permite que as equipas de resgate identifiquem rapidamente a localização da embarcação em perigo.
4. O AIS também é utilizado para monitorizar actividades marítimas em áreas sensíveis, ajudando a controlar o impacto ambiental, como a prevenção de derramamento de petróleo e outras actividades poluentes.

De notar que o AIS é obrigatório para embarcações maiores, tais como navios de carga e passageiros, mas muitas embarcações menores também o utilizam devido aos benefícios de segurança e monitoramento que oferece.

Se estes navios não estavam onde o AIS dizia que estavam colocaram em risco a sua própria segurança, a dos outros navios que navegam naquelas águas e, provavelmente, estavam – noutro local – a exercer uma actividade ilegal. É também possível que fossem navios de outra nacionalidade (p.ex. russos) usando identificadores AIS manipulados e em acções secretas ou ilegais noutros locais do Atlântico Norte. Recordemo-nos que, p.ex, recentemente, a Rússia, exibiu a sua capacidade para adulterar o sinal AIS desenhando um “Z” de apoio à invasão da Ucrânia no mapa AIS do Mar Negro.

O Spoofing de AIS envolve a manipulação deliberada dos dados do sistema de identificação automática (AIS) para enganar embarcações marítimas ou sistemas de monitorização. Spoofers podem criar situações enganosas ou perigosas ao transmitirem informações falsas, como alterar a identidade, posição ou velocidade de uma embarcação.

Nos últimos anos, operadores mal-intencionados tornaram-se mais sofisticados e desenvolveram novas maneiras de ocultar as suas operações ilegais:
1. Usando uma embarcação de isca como disfarce. A embarcação “suja” assume a identidade da embarcação “limpa” enquanto navegam em proximidade, permitindo que a embarcação limpa siga para o seu destino sem ser detectada. No regresso, as embarcações recriam a troca, deixando a embarcação limpa sem consequências;
2. Uso da identidade de uma embarcação enviada para a sucata para realizar operações ilícitas sem repercussões legais e
3. Recurso a uma localização e/ou caminho gerado artificialmente para disfarçar a localização real da embarcação. Vários métodos têm sido identificados para realizar este logro, incluindo transmissões falsas a bordo da embarcação e cúmplices em terra.

Propostas:
1. Ampliar a cooperação entre países para criar uma rede de partilha de dados e inteligência, permitindo uma resposta mais rápida e coordenada contra práticas de spoofing de AIS.
2. Investir no desenvolvimento e implementação de tecnologias de IA e aprendizagem de máquina para identificar e rastrear padrões de spoofing de AIS em tempo real. Estes algoritmos avançados que poderiam detectar padrões anómalos nos dados AIS, tais como mudanças bruscas na velocidade ou rota, que possam indicar spoofing. Estes algoritmos poderiam alertar automaticamente as autoridades para investigar mais a fundo a anomalia.
3. Criar regulamentações internacionais mais rigorosas e aumentar as penalidades para navios e operadores envolvidos em spoofing de AIS, dissuadindo assim estas práticas ilícitas.
4. Implementar um sistema de monitorização contínua (para este alerta, p.ex., as autoridades por alertadas pelas redes sociais) e auditorias periódicas das operações marítimas para garantir conformidade com as regulamentações e identificar práticas suspeitas de forma proactiva.
5. Implementar sistemas que cruzem informações do AIS com outras fontes de dados, como radar, satélite e sensores submarinos, para verificar a autenticidade das informações transmitidas. Isto ajudaria a identificar discrepâncias e potencialmente detectar spoofing em tempo real.
6. Introduzir o uso de certificados digitais e assinaturas criptográficas para autenticar as transmissões de AIS, garantindo que os dados provenientes de uma embarcação sejam genuínos e não manipulados.
7. Criar programas de educação e formação para operadores marítimos e autoridades portuárias sobre as tácticas de spoofing de AIS, que permitam identificá-las e determinar quais as medidas a tomar em resposta.
8. Criar parcerias com operadores de satélites comerciais para obter acesso a imagens de alta resolução e dados de localização que possam ser usados para validar a posição real das embarcações reportadas pelo AIS.
9. Determinar zonas de monitorização intensiva em áreas conhecidas por actividades suspeitas ou estratégicas tais como regiões próximas aos cabos submarinos e a nossa ZEE, usando uma combinação de sensores, satélites e patrulhas navais e aéreas.

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