Existem muitos utilizadores em Portugal do serviço gratuito de DNS providenciado pela OpenDNS (hoje em dia parte da Cisco): para além da resiliência a falhas e rapidez este serviço faz filtragem por categorias permitindo o bloqueio de sites de malware e phishing a redes domésticas e empresariais, de uma forma gratuita e complementar a outros serviços (antivirus, proxies, filtros http, etc): ora a partir da tarde sexta dia 28 de junho, sem pré-aviso, notificação por parte da OpenDNS, CNPD ou CNCS os acessos aos servidores da OpenDNS em Portugal foram barrados por esta empresa. Quando um utilizador dos DNS da OpenDNS tenta fazer uma query (p.ex. um dig) estes respondem: <qualquer URL> 0 IN TXT “Due to a court order in Portugal issued under Article 210-G(3) of the Portuguese Copyright Code, the OpenDNS service is not currently available to users in Portugal” e recusa funcionar.

A única informação oficial consta do site da própria OpenDNS: “OpenDNS Service Not Available To Users In France and Portugal: Effective June 28, 2024: Due to a court order in France issued under Article L.333-10 of the French Sport code and a court order in Portugal issued under Article 210-G(3) of the Portuguese Copyright Code, the OpenDNS service is not currently available to users in France and certain French territories and in Portugal. We apologize for the inconvenience.”
https://support.opendns.com/hc/en-us/articles/27951404269204-OpenDNS-Service-Not-Available-To-Users-In-France-and-Portugal

O bloqueio para Portugal decorre de uma ordem de um tribunal francês que ordenou que Google, Cloudflare e OpenDNS (Cisco) para “impedirem a pirataria” devem começar a “envenenar” os serviços de DNS que administram. O processo começou através de uma queixa do Canal+ contra 117 sites na Internet que emitiam conteúdos desportivos captando lucros com essa actividade. Em 2023, o Canal+ visando os sites de streaming desportivo citados em: https://torrentfreak.com/google-cloudflare-cisco-will-poison-dns-to-stop-piracy-block-circumvention-240613/. O argumento era de que os ISPs serviam de veículo de acesso a estes sites e como os conteúdos fornecidos eram ilegais os ISPs tinham a obrigação de o impedir. O tribunal haveria de decidir de forma favorável ordenando que ISPs como a Orange, SFR, OutreMer Télécom, Free, e a Bouygues Télécom implementassem “medidas técnicas” para impedir esse acesso. Ora como isto só pode ser implementado a nível dos servidores de resolução de nomes (DNS) que cada ISP oferece aos seus clientes isto levou a um processo de “DNS poisoning” (https://www.cloudflare.com/learning/dns/dns-cache-poisoning/) que seria visível quando estes tentassem a ceder a um destes sites barrados.

Mais recentemente, o Canal+ levou mais longe a sua cruzada contra a pirataria de conteúdos desportivos: exigiu que os ISPs franceses alterassem as respostas de nomes dadas por estes serviços internacionais de DNS por forma a impedir o seu uso pelos clientes franceses. A argumentação do Canal+ foi construída em torno do Artigo L333-10 do Código Desportivo Francês (https://www.legifrance.gouv.fr/jorf/id/JORFTEXT000045287568) onde se escreve, a dado ponto, que “Quando existem ‘violações graves e repetidas’ por parte de um ‘serviço de comunicação pública online’ cujo objectivo principal é a transmissão não autorizada de competições desportivas, os titulares dos direitos podem exigir ‘todas as medidas proporcionais susceptíveis de prevenir ou pôr termo a esta infracção, contra qualquer pessoa que possa contribuir para a sua resolução”.

A Google aceitou a ordem do tribunal e já está a implementar a desindexação desses sites no seu motor de busca: não parece, contudo, estar a fazer o requerido “envenenamento de DNS” nos seus servidores DNS 8.8.8.8 e 8.8.4.4. Não é nítido como é que do processo francês chegámos ao ponto de a OpenDNS bloquear o seu serviço em Portugal como protesto e recusa a este envenenamento com base no http://bdjur.almedina.net/citem.php?field=item_id&value=1330026
“Artigo 210.º-G – Providências cautelares
1 – Sempre que haja violação ou fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável do direito de autor ou dos direitos conexos, pode o tribunal, a pedido do requerente, decretar as providências adequadas a: a) Inibir qualquer violação iminente; ou b) Proibir a continuação da violação.
(…)
3 – As providências previstas no n.º 1 podem também ser decretadas contra qualquer intermediário cujos serviços estejam a ser utilizados por terceiros para violar direito de autor ou direitos conexos, nos termos do artigo 227.º”

Mas provavelmente tal deverá dever-se a uma queixa idêntica realizada pelo Canal+ em Portugal e que chegou à CNPD nesta época de transmissões televisivas do Europeu de Futebol: esta informação, contudo, não consta em nenhum site relacionado com as questões de Justiça em Portugal. Não é também nítido porque é que este bloqueio da OpenDNS apenas impacta França e Portugal deixando de lado todos os outros países europeus (sobretudo dada a aparente inexistência de um processo num tribunal português): a OpenDNS e a CNPD foram questionadas sobre isto mas não responderam.

Conclusões:

1. A resposta (excessiva, sem pré-aviso mas justificável) da OpenDNS em bloquear os acessos a Portugal criou interrupção de serviço DNS em muitas organizações portuguesas e clientes domésticos. Se existir mesmo uma decisão de um tribunal português na base desta resposta esta bloqueio – por justificada recusa em fazer “envenenamento DNS” – ainda pode ser contornado: a Cloudflare e a Google, por enquanto, ainda não bloqueiam os acessos a partir de Portugal mas se também optarem por o fazer isso criará um problema maior que o com o OpenDNS. É certo que o bloqueio é contornável mudando para um dos servidores em: https://public-dns.info/nameserver/us.html pelo que não é realmente eficaz para quem quiser continuar a aceder a este tipo de sites de pirataria mas os outros DNS públicos não oferecem a mesma confiabilidade e segurança do OpenDNS nem a mesma robustez e rapidez dos DNS da Cloudflare e Google pelo que há – já – um prejuízo para a internet portuguesa. (nota: o mesmo bloqueio pode ser também contornando usando uma VPN que muda a origem do IP de Portugal para outro país (que não França…) mas isso também tem reflexos a nível do desempenho do acesso à Internet).

2. Como em muitos outros casos o problema está na fonte: nos paraísos ilegais tolerados no estrangeiro em países como a Rússia, Bielorússia ou China. Contudo, paradoxalmente, praticamente todos os sites de straming desportivo bloqueados que analisámos estão alojados na própria Cloudflare nos EUA (pex. ivesoccer.sx) e Austrália (p.ex. cdnz.one). Ou seja, em países que embora estejam fora da UE existe um sistema judicial funcional e relativamente eficiente. Seria mais sensato que a Canal+ orientasse a sua “cruzada” nesta direcção e não promovendo uma operação muito pouco ética de “envenamento de DNS legal”.

3. Se existir mesmo esta decisão de um tribunal português isto poderá fazer com que Google, Cloudflare e outros fornecedores de serviço DNS gratuitos deixem também de prestar este importante e crítico serviço no nosso país imitando o exemplo da OpenDNS. Isto deve ser clarificado pelas autoridades portuguesas (a CNDP não respondeu à CpC) e pelo Centro Nacional de Cibersegurança: CNCS.

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“Existem apenas dois tipos de empresas no mundo: aquelas que sofreram uma violação de segurança e sabem disso, e aquelas que sofreram violação e ainda não o sabem.”

― Ted Schlein

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